Somente coffea arábica pode ser especial?

Quem é muito ligado ao mundo do café especial pode ter visto uma reportagem que fez muita gente se perguntar sobre Coffea Canéfora, também chamado de Conilon ou Robusta.

Não tem como esconder que a reportagem além de apresentar canéfora de forma negativa, deixou muita gente sentindo que é preciso corrigir essa difamação não intencional. Eu também sinto a necessidade de falar.

Como eu não sou especialista em relação de canéfora, eu somente posso falar das minhas experiências durante os anos. Não tenho como esquecer a primeira vez que provei uma mesa de canéforas. Foi em 2003 na Índia durante uma viagem à origem. Eu posso me identificar com quem não gosta ou está sem fundamentação sensorial para entender essa bebida diferente. Foi um choque provar, mesmo sabendo que ia provar algo diferente. Conheço muitos produtores de canéfora que não gostam de café arábica. Muitas vezes é uma questão de costume e ninguém é dono da verdade. O que gostamos tem muito a ver com a cultura e a disponibilidade de exemplos.

Quando eu comecei a torrar profissionalmente em 2007, eu logo tive que enfrentar o preconceito que canéfora sofre. Tínhamos uma mistura que utilizava um percentual pequeno disso para melhor representar o estilo italiano de pensar e fazer espresso. Funcionou bem para mim, e durante os seis anos torrando para @lippekaffe antes de emigrar para o Brasil, eu torrei e preparei muitos cafés bons, mesmo tendo canéfora na mistura. Na época, a produção de café verde estava num nível de qualidade mais baixo do que hoje. Não tínhamos acesso a qualidade como temos hoje, independente da especie de café.

Chegando no Brasil em 2014, eu  comecei a aprender como funciona a pós-colheita por necessidade. Eu queria cafés bons para poder administrar cursos, e não achei o que queria. Comecei a  aprender com Clayton da Fazenda Ninho da Águia, Jhone do Sítio Santa Rita e Renato da Chácara Vista Alegre. Cada um com a sua pegada e visão de como fazer. Com eles, eu aprendi que se respeitar o café, podemos fazer ele “responder”. O padrão de maturação do lote tem uma grande influência junto com como resolvemos a questão da fermentação e da seca, que muitas vezes não tem separação nos processos.

Para mim fez sentido que canéfora deve responder de forma parecida, e que pode oferecer uma experiência sensorial diferente fazendo o meu mundo ser um lugar maior. Em 2015 eu tive a oportunidade de ir para São Gabriel da Palha no norte do Espírito Santo. A família Venturim queria discutir o assunto com alguém que tinha experiência em um mercado diferente. Falamos, discutimos, torramos e provamos muitos cafés. Aprendemos muito. Às vezes é difícil saber quem aprende mais, o consultor ou o cliente. Sempre é uma troca, e temos que fazer juntos. O maior problema era a valorização do produto. Não tinha incentivos para fazer qualidade no mercado convencional. Para fazer funcionar, era necessário inovar e criar o próprio mercado. Fico muito feliz pensando que eu tenho influenciado essa evolução e que hoje o Brasil está mostrando para o mundo como fazer acontecer café de qualidade.

Para mim existe canéfora especial. Eu não sou credenciado como r-grader e nem preciso para trabalhar e apreciar. Eu creio que é suficiente ser uma pessoa, porque café é feito por e para pessoas. Eu creio que tem espaço para canéfora e que tem um futuro brilhante. 

Oop significa “aberto” e isso é algo que eu gosto muito. Eu gosto de variedade, das diferenças que aumentam a riqueza da vida, dos relacionamentos, dos alimentos e das experiências que o universo proporciona para todos nós. Eu gosto de celebrar a diversidade e ver o potencial que tem nisso. Inclusão é uma palavra poderosa que tem o poder de cuidar, deixar crescer e potencializar.

Graças aos nossos parceiros de Venda Nova do Imigrante no Espírito Santo temos hoje canéfora na nossa prateleira. A Farmers Coffee deixou o desafio de trabalhar esse café diferente e o nosso Terra Vermelha é o resultado disso. Esse café é uma mistura que tem predominância de canéfora eu eu amo como esse café é versátil. Primeiramente eu quero celebrar que o café se apresenta doce e cheio de sabor. Que oferece uma experiência muito diferente e que proporciona novas oportunidades de harmonização com outros alimentos. Terra Vermelha tem foco em caramelo, chocolate e amêndoa torrada, mas pode ser modulado através do tempo de extração para entregar mais frutas ou focar no achocolatado. Extraindo menos, com ajuda de um tempo de extração menor, podemos dar destaque ao lado frutado desse café. Uma extração mais forte aumenta a complexidade e muda o foco para achocolatado. Parece que canéfora não tem o mesmo limite de tempo de extração do que arábica, e certamente precisa de uma moagem mais grossa do jeito que estamos torrando. Independente do foco sensorial, o café me faz salivar e pede para tomar mais um gole. Isso é importante para mim porque eu vejo café como uma mentira bonita, uma bebida que proporciona uma experiência para o corpo, a mente e o subconsciente sem entregar valor nutricional real. Uma bebida que tem o poder de fazer bem, de alimentar os nossos sonhos e com isso a própria realidade. Uma bebida com poder psicoativo que é o centro da vida de muita gente. Canéfora merece respeito, bem como as pessoas que dedicam a sua vida à produção desse café.Como consumidor, você está convidado a fazer parte disso.  

Viva o café!

Eystein Veflingstad do Oop torra. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *